quarta-feira, 8 de julho de 2009

CONCEITUAÇÕES E REFLEXÕES SOBRE CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS


CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS


(Partes do conteúdo deste texto didático, foi extraído do livro: Os argonautas da cidadania - A sociedade civil na globalização. I - Em torno do Conceito de Cidadania, tendo como autoria: Liszt Vieira)




[Escola de Atenas: Pintura Mural de Rafael]
A cidadania em Atenas e em Esparta: Impossível estudarmos a cidadania na Grécia como um todo, já que ela era composta por mais de cem cidades-Estado, por isso vamos tratar como exemplo as duas cidades mais importantes: Esparta e Atenas.Esparta, uma cidade agrícola formada por espartanos, grandes proprietários de terras; periecos, trabalhadores livres e hilotas que estavam sujeitos as condições servis, representava um exemplo de cidadania restrita; apenas os espartanos poderiam ser considerados cidadãos plenos, já que eram os únicos que compunham os órgãos políticos, e os periecos não possuíam direitos políticos. Já Atenas teve uma história diferente. A sua sociedade dividida em Eupátridas, que possuíam as maiores e melhores terras, Geogóis, que eram pequenos proprietários, Thetas, despossuídos de terra, Demiurgos que eram os responsáveis pelo comércio local, e escravos. Lutas constantes entre as classes, instabilidade e o crescimento da Pólis motivaram o surgimento de reformas. Em 621 a.C. foram criadas as leis escritas, em 594 a.C. a sociedade foi dividida censitariamente e foram criados órgãos e a Democracia, ou seja, todas as pessoas (nascidas em Atenas, do sexo masculino e livres) não importando a classe social puderam ser consideradas cidadãos tendo, portanto seus direitos e deveres.
CIDADANIA E SOCIEDADE CIVIL
Na última década do século XX, assistimos, em todo o mundo, a uma multiplicação dos estudos sobre o tema da cidadania, envidando-se um grande esforço analítico para enriquecer a abordagem conceitual da noção de cidadania. Em recente trabalho, Janoski (1998) destaca três vertentes teóricas que se ocupam de fenômenos relacionados à cidadania, quais sejam a teoria de Marshall acerca dos direitos de cidadania; a abordagem de Tocqueville/Durkheim a respeito da cultura cívica; e a teoria marxista/gramsciana acerca da sociedade civil. O conceito de cidadania, enquanto direito a ter direitos, foi abordado de variadas perspectivas, entre elas, tomou-se clássica, como referência, a concepção de Thomas H; Marshall, que, em 1949, propôs a primeira teoria sociológica de cidadania ao desenvolver os direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão. Centrado na realidade britânica da época, em especial no conflito frontal entre capitalismo e igualdade, Marshall estabeleceu uma tipologia dos direitos de cidadania. Seriam os direitos civis, conquistados no século XVIII, os direitos políticos, alcançados no século XIX - ambos chamados direitos de primeira geração - e os direitos sociais, conquistados no século XX chamados direitos de segunda geraçã.
Posteriormente, autores diversos analisaram suas realidades nacionais valendo-se desta concepção, à qual acrescentaram nuances teóricas, come se vê: em Reinhard Bendix (1964),que enfocou a ampliação da cidadania às classes trabalhadoras, por meio dos direitos de associação, educação e voto, bem como em Turner (1986),que, voltando sua atenção para a teoria do conflito, considera os movimentos sociais como força dinâmica necessária ao desenvolvimento dos direitos de cidadania. Para as teorias durkheimianas, a cidadania não se restringe àquela sancionada por lei e tem na virtude cívica outro aspecto capital. Em decorrência desta concepção, abre-se espaço para que,na esfera pública, grupos voluntários, privados e sem fins lucrativos, formem a assim denominada sociedade civil. As teorias marxistas, por sua vez, enfatizam a reconstituição da sociedade civil - idéia primeiramente ventilada por Hegel, retomada por Marx e significativamente revisitada por Gramsci em 1920. Na realidade, pode-se afirmar que Gramsci opera uma mudança paradigmática com sua visão tripartite Estado-mercado-sociedade civil, uma vez que, para Marx e Hegel, a noção de sociedade civil abrangia todas as organizações e atividades fora do Estado, inclusive as atividades econômicas das empresas.
A atual referência à sociedade civil traz o viés gramsciano de proteção contra os abusos estatais e do mercado. Esta terceira vertente teórica pode ser compreendida como uma intermediação entre o enfoque estatal adotado por Marshall e o enfoque da virtude cívica centrada na sociedade, característico das teorias durkheimianas.
PARA DEFINIR A CIDADANIA
Não obstante constituir a língua franca da socialização, a reivindicação de diversos movimentos sociais e mesmo palavra reiteradamente repetida em discursos, a cidadania não constitui idéia central nas ciências sociais. Buscando os atributos do termo, Janoski agrupa as perspectivas encontradas em diversos dicionários - considerando esta última mais própria a uma possível reconstrução de uma teoria da cidadania: Cidadania é a pertença passiva e ativa de indivíduos em um Estado-nação com certos direitos e obrigações universais em um específico nível de igualdade.
Por pertença a um Estado-nação entende-se o estabelecimento de uma personalidade em um território geográfico. Historicamente, a cidadania foi concedida a restritos grupos de elite - homens ricos de Atenas e barões ingleses do século XIII - e posteriormente estendida a uma grande porção dos residentes de um país. Há, assim duas possibilidades de pertença: a interna, que pauta o modo pelo qual um não-cidadão nos limites do Estado - grupos estigmatizados por etnia, raça, gênero, classe, entre outros - adquire direitos e reconhecimento como cidadão; e a externa, que estabelece como estrangeiros fora do território nacional obtêm entrada e naturalização de forma a conquistar a cidadania.
Quanto ao segundo elemento de definição - a distinção entre direitos e deveres ativos e passivos -, pode-se dizer que a cidadania é constituída tanto por direitos passivos de existência, legalmente limitados, como por direitos ativos que propiciam a capacidade presente e futura de influenciar o poder político.
A terceira idéia-força da definição exclui o caráter informal ou particularista dos direitos de cidadania, que necessariamente devem ser direitos universais promulgados em lei e garantidos a todos. Pessoas e coletividades podem possuir seus próprios imperativos morais, costumes ou mesmo direitos específicos, mas estes só se tornarão direitos de cidadania se forem universalmente aplicados e garantidos pelo Estado.
O quarto elemento da definição – a distinção entre direitos e deveres ativos e passivos -, pode-se dizer que a cidadania é uma afirmação de igualdade, equilibrando-se direitos e deveres dentro de certos limites. A igualdade é forma, garantindo a possibilidade de acesso aos tribunais, legislaturas e burocracias. Não se trata de igualdade completa, mas em geral garante-se aumento nos direitos dos subordinados em relação às elites dominantes.
A definição de cidadania fornecida pelas ciências sociais, conforme explicitada acima, difere das demais, seja por não se restringir ao processo de naturalização, como as definições legais, por exemplo, seja por não se esforçar em definir o que seja um ‘bom cidadão’. É assim que alguns autores rejeitam a cidadania como status e propõe sua definição como ‘processo’, constituído por uma rede de relações e idiomas políticos que acentuam a pertença e os direitos e deveres universais em uma comunidade nacional. Por sua vez, considera a cidadania como um conjunto de práticas políticas, econômicas, jurídicas e culturais que definem uma pessoa como membro competente da sociedade. No entanto, a inclusão do elemento 'competência’ no conceito é passível de críticas, uma vez que se podem encontrar no seio de uma sociedade cidadãos que não se acham em condições de exercer direitos políticos, e nem por isso perdem direitos civis ou sociais, como é o caso dos portadores de deficiências mentais.
Os direitos e as obrigações de cidadania existem, portanto, quando o Estado valida as normas de cidadania e adota medidas para implementá-las. Nesta visão, os processos de cidadania – lutas por poder entre grupos e classes – não são necessariamente direitos de cidadania, mas constituem variáveis independentes para sua formação. Em outras palavras, tais processos seriam partes constitutivas da teoria, mas não do conceito definidor de cidadania.

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